Uma leitura apressada do versículo acima sempre deixou a impressão de que Paulo seria um misógino inveterado, reacionário e machista. Proponho aqui não a resolução do problema, mas apenas uma reflexão.
Como nos lembra James Choung, em seu texto Can Women Teach? An Exegesis of 1 Tim 2.11-15 and 1 Corinthians 14.33-40, os bons manuais de exegese e hermenêutica nos ensinam a investigar o contexto de uma passagem analisada. Neste caso, o cenário em questão é uma lembrança de Paulo a seu discípulo Timóteo da autoridade que lhe foi investida para pregar contra falsos mestres e suas doutrinas distorcidas. O tema permeia toda a carta, e traz uma série de dicas sobre como o jovem Timóteo deveria agir para contornar o problema. Depois de passar suas dicas, Paulo passa a fazer um comentário sobre a Igreja de Éfeso e o modo como deveriam exercer seu culto de adoração. Este é o contexto.
No segundo capítulo, depois de comentar sobre vários aspectos da vida cristã, Paulo diz o seguinte: “A mulher aprenda em silêncio, com toda a submissão” (1Tm 2.11). Aqui temos já uma curiosidade, levantada por Stanley Grenz e Denise Kjesbo no livro Women in the Church (p. 128): ao contrário da tradição judaica, que excluía a mulher do ensino, Paulo afirma que elas deveriam receber ensino. Isso tinha um fim muito específico. Elas estavam sendo levadas pelas falsas doutrina pregadas, como fica claro em 2Tm 3.6-7: “Alguns deles entram nas casas e conseguem dominar mulheres fracas, que estão cheias de pecados e que são levadas por todo tipo de desejos. São mulheres que estão sempre tentando aprender, mas nunca chegam a conhecer a verdade”.
Na verdade, ainda em 1 Timóteo 5.15, Paulo explica que “algumas viúvas já se desviaram e seguiram Satanás”. Paulo está, portanto, ordenando que as mulheres da Igreja de Éfeso aprendam a sã doutrina e fiquem imunes às heresias pregadas pelos falsos mestres. Há aqui uma conclusão interessante, levantada por James Choung no artigo acima mencionado: “esta passagem, que é geralmente vista como rebaixando as mulheres está, na verdade, fortalecendo-as” (CHOUNG, p.3).
O versículo seguinte é ainda mais interessante: “E não permito que a mulher ensine, nem exerça autoridade de homem; esteja, porém, em silêncio” (1Tm 2.12). Em grego, a expressão “exerça autoridade” (authentein) é apenas um verbo (infinitivo, voz ativa e tempo presente), e traz um significado muito mais forte: “usurpar autoridade, instigar ou perpetuar um crime, exercer ativamente influência” (segundo o Dicionário Strong e Andrew C. Perriman, p. 134).
Segundo Walter Liefeld, o termo pode ainda ter significados mais grotescos, como “cometer suicídio”, “matar um parente” ou “realizar ato de violência sexual”. No Online Etymology Dictionary, a palavra significa “alguém agindo em sua própria autoridade”, já que fruto da união de autos (“si mesmo”) e hentes (“aquele que executa”, “aquele que é”).
O problema é que esta palavra não aparece em nenhum outro lugar na Bíblia, mesmo na tradução grega do Antigo Testamento, a Septuaginta. Isso dificulta ainda mais a tradução. O recurso é investigar os diversos sentidos que o termo assume nos textos clássicos gregos. NoLiddell Scott Greek Lexicon, um dos mais respeitados, a palavra authenteo traz o significado de “ter pleno poder ou autoridade sobre” ou “cometer assassinato”. No apêndice de Köstenberger, o termo significa “assassino”, “suicídio”, “membro de uma família de homicidas”, “perpetrador”, “autor”, “executor”. Catherine Kroeger (p. 225-243) chegou a defender que o termo authenteoestava associado a um tipo de emasculação, ou castração cultual, que ocorria em alguns ritos ascéticos realizados na Ásia Menor. Assim, 67% das vezes em que o termo aparece na literatura clássica, ele traz um significado muito mais sombrio e macabro do que apenas “exercer autoridade” (CHOUNG, p. 3).
Portanto, o versículo não está se referindo a uma autoridade qualquer impedida à mulher, mas a um poder ilegítimo, roubado e usurpado. Paulo está defendendo que a mulher não usurpe o cargo de um homem, não tome sua posição, não o destitua do poder e não conspire contra sua autoridade.
Curiosamente, a expressão “em silêncio” de 1 Timóteo 2.12 também é singular na Bíblia, ocorrendo, na forma hesuchia (dativo, singular, feminino) apenas em 1 Timóteo 2.11 e 12. Em Atos 22.2, o termo aparece na forma hesuchian (acusativo, singular, feminino) e em 2 Tessalonicenses 3.12 como hesuchias (genitivo, singular feminino). O curioso é que em 2Ts 3.12, o termo é traduzido como “tranquilamente” (versão Almeida Revista e Atualizada), “sossego” (versão Almeida Revista e Corrigida), “sossegadamente” (versão Almeida Atualizada). Vemos, portanto, que o termo traduzido como “silêncio” em 1 Timóteo 2 pode ser tranquilamente entendido como “sossego” ou “tranquilidade”. Não é uma proibição de falar, pelo contrário. Essa tese se harmoniza com 1 Coríntios 11, em que Paulo comenta sobre as mulheres que não somente falam, mas profetizam.
Seguindo o raciocínio acima, poderíamos traduzir 1 Timóteo 2.12 da seguinte maneira: “Não permito que a mulher ensine erroneamente ou exerça autoridade ilegítima sobre um homem, mas fique em humilde tranquilidade”.
Nos versículos seguintes, Paulo faz uma alusão ao fato de Eva ter sido criada depois de Adão: “Porque, primeiro, foi formado Adão, depois, Eva. E Adão não foi iludido, mas a mulher, sendo enganada, caiu em transgressão” (1 Timóteo 2.13-14).  Há algumas questões a considerar. Se partirmos do princípio que o fato de ser criado primeiro torna o ser superior, teremos que concluir que todos os animais, vegetais, minerais e mares que foram criados antes de Adão são superiores a ele. Por outro lado, se seguimos a lógica de que Adão é superior, pois é a “fonte” de Eva, porque esta foi criada a partir daquele, teremos que considerar que a “fonte” do homem é o pó da terra, portanto, superior a ele. Obviamente, isso não faz sentido.
A mulher foi enganada. Mas Adão se rebelou. Adão conhecia a Lei de Deus, e ele deveria ter ensinado a Eva tais leis. Ou Adão não ensinou corretamente, ou Eva não aprendeu direito. Em todo caso, Eva foi enganada, enquanto Adão se rebelou, o que é mais grave, pois conhecia a lei. E Paulo deixa isso muito claro em Romanos 5, quando afirma que o pecado entrou no mundo por meio de um homem: Adão.
Assim, podemos entender que, em 1 Timóteo 2.11-14, Paulo está, na verdade, aconselhando que as mulheres sejam educadas, que aprendam corretamente as coisas do Senhor, para que não sejam novamente enganadas por falsas doutrinas.
O último versículo é interessante. Depois de afirmar que a mulher foi enganada, Paulo lembra o leitor que ela será salva pelo “filho da mulher”, que é Jesus. Por isso, não podemos desprezar as mulheres, pois foi por meio de uma mulher que o Messias veio ao mundo.
Assim, seguindo as reflexões de James Cheoung, podemos concluir que um estudo cuidadoso da passagem em questão nos traz um novo panorama sobre a atuação das mulheres na igreja. Quando analisada com calma, a passagem não parece trazer uma proibição de que as mulheres falem nas igrejas e ensinem, mas um encorajamento para que se dediquem ao estudo e aprendam com toda diligência, de modo que não sejam enganadas pelos ventos de doutrinas.