20 de outubro de 2014

Quadrilha realizava até 20 abortos por dia no Rio, revelam escutas

Grupo cobrava até R$ 7,5 mil, dependendo do tempo de gestação e idade

A quadrilha desarticulada em uma operação da Polícia Civil 

Polícia prende integrantes de quadrilha de abortos no RJ

do Rio de Janeiro nesta terça-feira (14) chegava a realizar até 20 abortos por dia em uma mesma clínica. Foi o que revelaram interceptações telefônicas realizadas com autorização da Justiça a que a GloboNews teve acesso com exclusividade. A investigação, que durou 15 meses, é a maior já realizada no Brasil para combater esse tipo de crime.

Os investigadores descobriram que cerca de duas mil mulheres já teriam feito aborto em uma das sete clínicas clandestinas da quadrilha. Oitenta delas já foram ouvidas pela polícia. Até o final da noite de segunda-feira (13), 58 pessoas que tiveram a prisão preventiva decretada haviam sido presas. Já 17 pessoas continuam foragidas.

Em dezembro de 2012, no início das investigações, Katia Barcellos, recepcionista de uma das clínicas de aborto clandestinas, conversa por telefone com o marido. Ela diz que vai chegar tarde em casa, porque havia cerca de 20 grávidas aguardando para fazer aborto no local. Katia foi presa nesta terça-feira (14) durante a operação.

Escutas telefônicas

Roberto (marido): Oi, amor.
Katia: Olha só, tá onde?
Roberto: Tô em casa.
Katia: Eu não vou chegar cedo não, tá?
Roberto: Quem não chegou cedo?
Katia: Eu não vou chegar cedo.
Roberto: Por quê?
Katia: Porque se não tem mais de 20 cabeças, não tem nada.
Roberto: Que isso, amor!
Katia: É.
Roberto: Quer dizer que tem umas 20 cabeças?
Katia: Mais ou menos.
Roberto: C******, fora o que vai chegar, né?
Katia: Aí eu não sei.
Roberto: É, sempre chega mais gente. Caraca!

As investigações descobriram que, dependendo do tempo da gravidez e da idade da gestante, o aborto chegava a custar até R$ 7,5 mil. Quanto maior o tempo de gestação, mais caro era o procedimento. Houve casos de interrupções de gestações no sétimo mês. O preço também aumentava se as gestantes eram menores de idade. O inquérito descobriu que uma das mulheres que fizeram aborto com o grupo criminosos tinha apenas 13 anos de idade.

Em outra conversa interceptada pela polícia, uma integrante do bando cobra R$ 1,8 mil para realizar um abordo em uma grávida de 14 semanas, cerca de três meses e meio.

Camila: Alô, dona Sonia?
Sonia: Oi.
Camila: É Camila. É que eu liguei pra senhora, falei daquela minha amiga. Lembra?
Sonia: Lembro, querida.
Camila: Deixa eu te falar. Ela fez uma ultra. E pelas contas do médico, ela tá com mais ou menos 14 semanas.
Sonia: Tá. Ela mora onde, Camila?
Camila: Ela mora em São Gonçalo, aqui perto de mim.
Sonia: Tá. Esse tempo aí, querida, tá na faixa de R$ 1,8 mil.
Camila: R$ 1,8 mil?
Sonia: É. Tá bem adiantado, né?
Camila: Então tá. Por volta de R$ 1,8 mil… Você não consegue nem um desconto?
Sonia: Arruma R$ 1,5 mil que eu dou um jeito aqui, tá?
Camila: Tá bom. Mas essa semana vocês vão abrir todos os dias?
Sonia: Vai.
Camila: Tá. É que eu tenho que resolver essa semana ainda.
Sonia: Tá bom.
Camila: Obrigada.
Sonia: De nada.

Um dos chefes da quadrilha, segundo a polícia, é o médico Aloísio Soares Guimarães. Ele atuava em uma clínica em Copacabana. De acordo com o inquérito, a primeira anotação dele pelo crime de aborto data de 1972. Em uma conversa gravada com autorização judicial entre o médico e uma mulher que integrava a quadrilha, ele diz que sua principal arma para continuar no esquema clandestino é o dinheiro para pagar bons advogados.

Dr. Aloísio: A principal arma que nós temos é o dinheiro.
Neusa: É.
Dr. Aloísio: Eu posso pagar um advogado bom. Esse Renato é bom porque ele tem uma turma de advogados, entendeu?
Neusa: É.
Dr. Aloísio: Eu tenho que trabalhar junto com advogado. Eu ligo para lá. Ele está lá, eu posso trabalhar. Se não eu não vou trabalhar. Só com advogado. Tem que ficar atento. Qualquer coisa eu chamo ele.
Neusa: É claro.
Dr. Aloísio: Segunda, segurança nossa: o celular seu no seu corpo, o meu no meu corpo. E ficar de olho na televisão. É f***** todo mundo. E não tenha medo. Ninguém está acima da lei.
Neusa: É.
Dr. Aloísio: Ninguém pode entrar ali na raça.

Outra médica considerada como uma das chefes do esquema, Ana Maria Barbosa, foi presa em casa, em uma cobertura em um condomínio de luxo na Barra da Tijuca, zona oeste da capital fluminense. No local, foram apreendidos cerca de R$ 3 mil em espécie, além de quatro carros: um Mercedes, um Audi, uma picape Nissan e um Livina. Segundo a polícia, o Ministério Público a denunciou em 2001 por ter feito mais de seis mil abortos. A médica trabalhava em uma clínica clandestina em Bonsucesso, na zona norte da cidade.

“Os senhores não estão diante de médicos. Os senhores estão diante de açougueiros humanos. Eles matam como se estivessem matando um bezerro. Essa é a visão dessas pessoas”, afirmou o delegado Glaudiston Galeano, da corregedoria da Polícia Civil do Rio.

Os indiciados vão responder pelos crimes de aborto, formação de quadrilha armada, corrupção ativa e passiva, prevaricação, associação para o tráfico de drogas e, em alguns casos, exercício ilegal da medicina.
Fonte: Globo News

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