24 de dezembro de 2016

Noticia: Calor, fome e guerra forçam africanos a encarar "estrada em chamas" para Europa

O mundo os despreza como imigrantes econômicos. A lei os trata como criminosos que aparecem nas fronteiras de uma nação sem serem convidados. Apenas orações os protegem na jornada pelo Saara.

Mas ao descascar as camadas de suas histórias, o que se encontra é um feixe de problemas e necessidades que leva homens e meninos do Oeste da África a partirem de casa, enfrentarem agressões físicas e subornos, embarcarem na picape do contrabandista e tentarem ganhar a vida em um lugar distante.

Eles o fazem porque as chuvas se tornaram inconstantes, os dias mais quentes, as secas mais frequentes e mais severas, o que impossibilita o cultivo de comida suficiente em suas terras. Alguns se mudam primeiro para as cidades, apenas para descobrir que há poucos empregos.

Alguns vêm de países governados por ditadores, como Gâmbia, cujo governante de longa data recentemente se recusou a aceitar os resultados de uma eleição que perdeu. Outros vêm de países repletos de jihadistas, como Mali.

Em Agadez, uma agitada cidade de fábula pela qual centenas de milhares deixam o Sahel a caminho do exterior, eu conheci dezenas deles. Um era Bori Bokoum, 21, de um vilarejo na região de Mopti, em Mali. Combatentes da Al Qaeda lutam contra as forças do governo na área, uma das muitas razões que tornam a vida mais difícil do que na época de seu pai.

Uma safra ruim se seguiu à outra, ele disse. Assim, na adolescência, ele partiu para vender relógios na cidade mais próxima por algum tempo, depois trabalhou em uma fazenda na vizinha Costa do Marfim, economizando para esta jornada. A Líbia era seu destino, depois talvez cruzar o Mar Mediterrâneo, até a Itália. "Vou tentar minha sorte", foi como colocou Bokoum.

Essa jornada se transformou em um rito de passagem para os africanos ocidentais da geração dele. O lento avanço da mudança climática torna a agricultura de subsistência, um negócio já arriscado em uma região quente e árida, uma aposta de risco cada vez maior. As pressões em torno de terras e água alimentam conflitos, pequenos e grandes. Insurreições ocorrem por toda a região, levando as forças de contraterrorismo americanas a manterem vigilância de uma base nos arredores de Agadez.

Neste ano, mais de 311 mil pessoas passaram por Agadez a caminho da Argélia ou da Líbia, e algumas posteriormente para a Europa, segundo a Organização Internacional para as Migrações. Os maiores números são de Níger e de seus vizinhos do Oeste da África, incluindo o país natal de Bokoum, Mali.

Acadêmicos de migrações contam pessoas como Bokoum entre os milhões que podem ser deslocados por todo o mundo nas próximas décadas à medida que a elevação do nível dos mares, ampliação dos desertos e clima errático ameaçarem os modos tradicionais de ganhar a vida.

Muitas dessas pessoas caem pelas frestas da lei internacional. A convenção dos refugiados da Organização das Nações Unidas de 1951 se aplica apenas às pessoas que fogem de guerra e perseguição, e mesmo essa obrigação de oferecer proteção, segundo o tratado, é cada vez mais violada por muitos países desconfiados de estrangeiros.

Nesse clima político, apontam autores, as chances de expandir a lei para incluir pessoas deslocadas pela degradação ambiental são entre mínimas e nenhuma. Isso explica por que mais de 100 países que ratificaram o acordo climático de Paris neste ano reconhecem que as mudanças ambientais provocarão o deslocamento de pessoas, mas empurraram para frente a decisão sobre o que fazer a respeito delas.
Calor cada vez mais forte e chuvas imprevisíveis

A África sub-Saara está à beira de um "boom" populacional, o que significa que as pessoas precisam cultivar mais alimentos em uma época em que a mudança climática está tornando isso mais difícil. As taxas de natalidade permanecem mais altas do que em outras partes do mundo e Níger apresenta a mais alta de todo o mundo: as mulheres têm em média mais de sete filhos.

Uma vez a cada três anos, segundo cientistas da Rede de Sistemas de Alerta Antecipado Contra a Fome, ou FEWS Net (na sigla em inglês), Níger enfrenta insegurança alimentar, ou falta de alimentação adequada. A fome está entre as piores do mundo: cerca de 45% das crianças de Níger com menos de 5 anos sofrem de desnutrição crônica.

Enquanto isso, aquele que já é um dos lugares mais quentes do planeta está se tornando constantemente mais quente: em 0,7ºC desde 1975, como apontou a FEWS Net. Outros lugares no mundo estão aquecendo mais depressa. Mas este é o Sahel, onde as temperaturas diurnas com frequência sobem acima de 45ºC e o cultivo de comida em solo arenoso e inóspito já é difícil.

O calor extremo pode ter consequências graves sobre os alimentos e doenças, apontou o Programa Mundial de Alimentação em um levantamento de estudos científicos. Mosquitos transmissores da malária prosperam nele. Aumenta a probabilidade de pragas atacarem as plantações. A produção de milho e trigo diminui.
Uma cidade de sonhos

Agadez é uma cidade de construções de tijolos de barro com muros elevados e portas de metal brilhantes. Por séculos, esteve repleta de comerciantes e nômades. Nas últimas décadas, se tornou um ímã de turistas, até que as rebeliões étnicas e, depois, a violência jihadista afugentaram as pessoas.

Hoje, a migração é a principal atividade. Motoristas, contrabandistas, cambistas, profissionais do sexo, policiais, todos vivem dos homens em movimento.

O covil dos contrabandistas onde encontrei Bokoum, o jovem de 21 anos de Mali, era um conjunto de dois pátios adjacentes, com duas salas com piso de concreto.

Ele estava em Agadez há três meses, esperando que sua mãe lhe enviasse dinheiro. Pode custar 350 mil francos CFAs (cerca de R$ 2.000) para ir de Agadez até a fronteira da Líbia, na traseira de uma picape.

Mohamed Diallo, o gerente senegalês do complexo, culpou os países ocidentais pelas emissões de carbono na atmosfera, e é cético de que seus líderes cumprirão a promessa de coibir as emissões.

O complexo de Diallo, assim como outros em Agadez, tem um ritmo semanal. Ele orienta aqueles que desejam fazer a jornada para a Líbia para que estejam lá dentro na noite de domingo. A viagem até a fronteira líbia, mais de 400 km, leva três dias. Ninguém sabe quantos morrem ao longo do caminho.

Aqueles que se aventuram a cruzar o Mediterrâneo também fazem uma aposta mortal. Entre as mais de 4.700 pessoas que morreram tentando cruzar o Mediterrâneo Central até o momento em 2016, a grande maioria não pôde ser identificada. Dentre os que puderam, os africanos representam a maior parcela.

"A estrada do emigrante", disse Diallo, "é uma estrada em chamas".
'Serei um fardo para eles'

Aqueles que chegam à Líbia não necessariamente têm sucesso dentro da Líbia. Trata-se de um país sem lei onde alguns imigrantes são jogados atrás das grades e alguns, segundo grupos de direitos humanos, são estuprados e torturados por milícias que exigem dinheiro. Alguns ficam sem dinheiro, ou sem ânimo, para continuar a jornada até a Europa.

No caminho de volta, eles costumam bater às portas do centro de trânsito da Organização Internacional para as Migrações, à beira de Agadez.

Ibrahim Diarra disse que as chuvas inconstantes tornam muito difícil o cultivo de amendoim e milho na fazenda da família, na região de Tambacounda do Senegal. Ele viu os homens jovens de sua aldeia partirem, cada um atraído pelas histórias daqueles que partiram antes. Então ele fez o mesmo.

Ele suportou dois meses na Argélia. Então, voltou para Agadez e pediu à organização para as migrações por uma passagem de ônibus de volta para casa. Até o momento neste ano, 100 mil pessoas fizeram a mesma jornada de volta.

"Eu deveria sustentar minha família", ele explicou. "Agora não tenho roupas, nada. Serei um fardo para eles."
Fonte: The New York Times



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