25 de outubro de 2017

Noticia: Supremo retoma julgamento sobre doação de sangue por homossexuais

No Brasil, homens homossexuais devem ficar 12 meses sem sexo para doar sangue
Normas da Anvisa e do Ministério da Saúde autorizam hemocentros de todo o país a rejeitar doações de homens gays sexualmente ativos. Pelas regras vigentes, eles só podem doar sangue se ficarem 12 meses sem relações sexuais. A Procuradoria-Geral da República (PGR), a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e ONGs são contra e apoiam uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF) que questiona sua constitucionalidade.

É este processo que o tribunal retoma nesta quarta-feira (25), após o ministro Edson Fachin, relator do caso, dar seu voto contra a regra na semana passada. “Orientação sexual não contamina ninguém. O preconceito, sim”, disse Fachin.

Agora, seus colegas dirão se concordam com sua posição ao se questionar: a regra fere a dignidade humana? Viola a cidadania? É razoável e proporcional ao seu objetivo? É discriminação?

Ao votar pela inconstitucionalidade na quinta-feira passada, o ministro disse que a restrição “coloca em xeque direitos fundamentais” ao usar como critério “grupos e não condutas de risco”. Fachin destacou que é uma “quase vedação” à doação por homens homossexuais, afeta o exercício de sua autonomia como cidadãos e gera um “impacto desproporcional”.

O ministro considerou que, ao se basearem no gênero de com quem o candidato à doação se relaciona e não em um comportamento específico, a regra incorre em “discriminação injustificada”.

“A todos serão aplicadas exigências e condicionantes que não são baseadas na forma de uma pessoa existir. A extinção das normas atuais não gera prejuízos à coletividade. É imperioso modificar o critério de restrição”, disse.

Na ocasião, a ministra Cármen Lúcia, presidente do STF, encerrou a sessão por causa do horário avançado, prevendo sua retomada para esta quarta-feira.

Em processos do STF, organizações civis podem se apresentar para defender sua visão. São os chamados amicus curiae. Todos os 13 inscritos na ação são contra a restrição.

Posição das organizações de saúde brasileira

Autoridades brasileiras citam indicadores de saúde para negar o preconceito e manter a norma vigente. “No Brasil, dados apontam que a epidemia de Aids está concentrada em populações de maior vulnerabilidade, tais como homens que fazem sexo com homens, usuários de drogas e profissionais do sexo, com uma taxa de prevalência do vírus de 10,5%, enquanto, na população em geral, a taxa é de 0,4%”, disse o Ministério da Saúde à ‘BBC Brasil’ em nota.

O ministério diz que o embargo de 12 meses vale para quem tenha feito sexo casual com um desconhecido, vítimas de estupro e seus parceiros, para quem se prostitui, foi preso, tenha feito uma cirurgia ou uma tatuagem recentemente. “A inaptidão para homens que fizeram sexo com homens utiliza o mesmo critério das demais situações, ou seja, está fundamentada no que há de melhor e mais moderno da literatura médica e científica nacional e internacional”.

A Anvisa ressalta ainda seguir a recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS), principal autoridade na área, e que manterá o “critério até que estudos provem o contrário”.

Mais chances

Em seu manual de seleção de doadores, a OMS inclui entre os perfis de alto risco homens homossexuais sexualmente ativos. A organização diz que eles têm 19,3 vezes mais chances de terem HIV do que a população em geral e apoia o veto total.

A Organização Pan-Americana de Saúde (Opas) reiterou à ‘BBC Brasil’ a recomendação de recusa destas doações por 12 meses, ressaltando que “a orientação sexual não deve ser usada como critério para seleção de doadores, por não constituir risco em si mesma”. Ainda segundo a Opas, “a expressão ‘homens que fazem sexo com outros homens’ descreve um fenômeno comportamental e social em vez de um grupo específico de pessoas”.

Os defensores do fim do veto no Brasil dizem que isso não acarretará aumento do perigo, porque candidatos já são escolhidos com base em comportamentos sexuais considerados de risco, seja qual for sua orientação sexual, e que testes aplicados às coletas são capazes de detectar o HIV.

Atualmente, toda doação passa por exames que identificam se o vírus está no sangue 11 dias após a contaminação – período chamado de janela imunológica – e se há anticorpos do HIV 25 dias depois. Em ambos, o intervalo de precisão é muito inferior ao previsto pela regra de exclusão do sangue.

“Mas há casos que fogem da janela imunológica, há tratamentos que afetam a detecção do vírus e a análise do laboratório pode ter erros, por isso adota-se um período maior, ainda que 12 meses pareça ser excessivamente longo e seja muito difícil que o vírus fique indetectável por tanto tempo”, disse à ‘BBC Brasil’ o médico Luiz Amorim, diretor do Hemorio, um dos principais hemocentros do país.

O hematologista explica que, na sua instituição, heterossexuais só têm doações recusadas caso tenham feito sexo com cinco ou mais parceiros nos últimos 12 meses.

Pressão por mudança

No início do mês, Amorim esteve no Congresso da Associação Americana de Bancos de Sangue, principal conferência do mundo da especialidade, em que a proibição à doação por gays foi debatida. “Há uma grande pressão aqui e em outros países contra essa medida, porque a questão é complexa e parece resvalar no preconceito, ainda que não seja”, disse o médico.

A realidade no exterior não permite extrair consenso. Embora países como Alemanha, Áustria, China e Dinamarca ainda proíbam gays de doar de forma vitalícia, há uma tendência de suavizar esse veto adotado ao redor do mundo após o surgimento da epidemia de Aids nos anos 1980.

Na Noruega, Holanda, Austrália, Nova Zelândia, Estados Unidos e França, vigora um embargo de 12 meses. Enquanto isso, na Inglaterra e na Escócia, o período de veto passará a ser de três meses, mudança justificada com o avanço da tecnologia da detecção do vírus. Itália, México, Espanha, Chile e Argentina foram além, e a orientação sexual do candidato não é levada em conta na triagem, apenas hábitos sexuais.

A proibição era vitalícia no Brasil quando surgiu em 1993. Em 2004, foi alterada para 12 meses após a última relação sexual. “Não há evidências de que, se diminuirmos esse período, não aumentará o risco de contaminação. Também não sabemos qual risco representam gays com parceiro fixo. Os estudos são caros, e um país fica esperando que outro faça”.

Enquanto não houver respostas, diz Amorim, aplica-se o princípio da precaução no Brasil, mantendo a regra atual. Foi essa posição que ele e outros 26 diretores de hemocentros no país manifestaram em uma carta enviada ao STF: “É uma questão técnica e não jurídica”.
Fonte: BBC Brasil

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