2 de dezembro de 2015

Filipenses: Introdução Paulo e os Filipenses -Ajuda 1

Introdução

Que Filipenses foi escrita por Paulo é virtualmente inquestionável. Tradicionalmente, esta carta tem sido colocada ao lado de Colossenses, Filemom e Efésios, como pertencente às "Epístolas da Prisão", escritas por Paulo, cartas que, se pensa, foram escritas em Roma durante os dois anos ou mais que ele pas­sou nessa cidade, em "custódia livre" (libera custodia) ou prisão domiciliar (cf. At. 28:16,30 e s.). As questões mais de­batidas, hoje em dia, são a sua unidade estrutural, o lugar de origem e a fonte e o significado do hino cristológico de 2: 5-11.

Muitos estudiosos acham que Filipen­ses é uma composição de duas ou mais cartas, enquanto outros, de igual com­petência, a consideram como uma unidade estrutural, sem nada mais do que digressões paulinas características. A an­tiga tradição de origem romana foi desafiada pela primeira vez em 1731, porOeder, de Leipzig (Martin, p. 25), e continua a ser uma questão aberta até hoje, sendo sugeridas como alternativas Cesaréia, Éfeso, ou alguma cidade des­conhecida. Teologicamente a maior par­te da atenção se focaliza sobre a chama­da passagem kenótica (2:5-11). Mesmo o tom dominante da carta é discutível, pois de forma alguma é certo que John A. Bengel lhe fez justiça com a sua declara­ção freqüentemente citada: "O resumo da epístola é: 'Eu me regozijo, regozijai-vos.'" Os eruditos, hoje em dia, estão preocupados com a unidade da carta em foco, mas ela mesma se preocupa, do começo ao fim, com a unidade da igreja em Filipos, nota tão forte quanto a nota de alegria.

1. Paulo e os Filipenses

De acordo com Atos 16:12-40, Paulo e seus companheiros missionários fundaram a igreja em Filipos durante a sua chamada segunda viagem missionária (c. 49 d.C), tendo respondido, em Troas, a um chamado para entrar na Macedônia, para ajudar nessa região. A igreja filipense nasceu em uma situação de crise, conheceu dificuldades e perseguição desde o começo (cf. I Ts 2:2), provou ser muito leal a Paulo (cf. Fp 4:14-16), e possivelmente era a igreja que lhe era mais querida.

Filipos recebeu o seu nome de Filipe II da Macedônia, pai de Alexandre, o Grande. Ela ficava situada no local de um antigo aldeamento, conhecido comoKrenides (Fontes). Tendo sido original­mente uma aldeia trácia, ela foi fortale­cida em 360 a.C. pelo estabelecimento de um grupo de famílias gregas, vindas deThasos. Em 357, Filipe fez estacionar, ali, uma guarnição Macedônia, fazendo da aldeia uma fortaleza militar, para proteger as minas de ouro vizinhas. Mais tarde, essas minas se exauriram, mas a guarnição era necessária para guardar a importante Via Egnatia, que ligava o Leste e o Oeste. Em 146 a.C, Filipos tornou-se parte da província romana da Macedônia. A sua importância primordial data de 42 a.C, ano em que ela foi a cena da batalha em que Antônio e Otaviano (mais tarde conhecido como Au­gusto César) derrotaram Brutus e Cássio, prevalecendo, desta forma, sobre os ge­nerais republicanos, que se haviam opos­to às ambições de Júlio César. Isto abriu o caminho para a fundação do Império


Leia também:Filipenses: Estudos/Pregações com temas completo


Antônio estacionou uma guarnição de veteranos em Filipos e deu à cidade a condição de colônia, isto é, de estabelecimento militar, com excepcionais privilégios cívicos. Em 30 a.C, Otaviano, tendo derrotado Antônio e Cleópatra em Actium, acrescentaram alguns colonos que falavam latim à população de Filipos. O novo imperador, então, deu à cidade o nome de Colônia Augusta Julia Philippensis (F. W. Beare, p. 6).

Filipos ainda era colônia romana quando Paulo lá chegou. O seu caráter militar e latino é refletido na atitude dos primeiros oponentes de Paulo, ali, homens que se julgavam romanos (At. 16: 21). A sua variedade de religiões e seitas caracterizava a sua natureza pagã. Deuses da Trácia, Grécia, Roma, Anatólia, Síria e Egito eram adorados na cidade. Juntamente com a ampla varieda­de de seitas religiosas, havia muitos clubes particulares, econômicos e sociais como também associações que se dedicavam ao sepultamento das pessoas. O judaísmo também era representado, mas parece que a sua força era mínima.

Não existe nenhuma evidência conclusiva de uma sinagoga judaica em Filipos. Paulo e seus companheiros parece terem estado na cidade durante alguns dias, antes de serem capazes de localizar um pequeno grupo de adoradores, que se reuniam para orar à margem do rio, fora das portas da cidade (At. 16:12, 13). Algumas pessoas consideram esse ajuntamento como uma "sinagoga de missão". Certa mulher de Tiatira, que fazia parte desse pequeno grupo, converteu-se, e parece ter se tornado o principal apoio de Paulo e seus companheiros. Parece que Lídia não era nem judia por nascimento nem prosélita, porém uma gentia temente a Deus, atraída primeiramente para o judaísmo e depois (para o cristianismo. Todavia, esse pequeno grupo de pessoas provou ser incomumente corajoso, leal e generoso, por viver e trabalhar sob as pressões de preconceito anti-semita (At. 16:20). O grupo permaneceu firme em dar a Paulo sustento financeiro e moral, desde os primeiros meses de sua existência como igreja, até a época da generosidade especial, que, em grande parte, motivou a carta que Paulo escreveu, e que está diante de nós na nossa quarta lição (1:5; 4:15-18).

2. Atestação da Carta

Filipenses parece ter sido mencionada em I Clemente, escrita em Roma em 96 d.C. As palavras de Clemente, "no princípio do evangelho", parecem expressar Filipenses 4:15; "Se não andarmos de maneira digna dele" é flagrantemente semelhante a 1:27, especialmente no grego; e também parece haver reflexões de 1:10, 2:15 e 2:5 e ss. A força cumulativa destas citações aparentes parece sugerir que Clemente conhecia esta epístola (Lightfoot, p. 74). Inácio, em sua carta aos romanos (ii), reflete 2:17 em sua frase "derramado como libação para Deus". Em sua epístola aos filadelfianos (viii), a sua admoestação para "nada fazer com espírito faccioso" parece vir de 2:3, da mesma forma como "nem por vangloria", mencionado anteriormente em sua epístola (i). Em sua epístola a Esmirna, Inácio faz derivar "sendo perfeitos, sede também perfeitamente dispostos" de 3:15. Policarpo é o primeiro a referir-se explicitamente ao fato de haver Paulo escrito Filipenses, como se vê na carta que escreveu aos Filipenses (iii,xi). Na verdade, ele disse que Paulo "escreveu cartas" aos filipenses, aparentemente mais que uma. Parece que ele parafraseia o texto da Epístola de Paulo aos Filipenses 2:2-5, 10, 16; 3:18; 4:10; e possivelmente 1:27. A obra judaico-cristã do segundo século, intitulada Os Testamentos dos Doze Patriarcas, parece tomar emprestado de Filipenses 1:8; 2:6-8,15; 3:21. A carta em foco foi incluída no primeiro cânon cristão conhecido, o de Marcião (c. 150 d.C.) e no Fragmento Muratoriano, que preserva o cânon reconhecido em Roma, em cerca de 200 d.C. Esta carta é mencionada por Irineu,Tertuliano e Clemente de Alexandria, como sendo de Paulo.

3. A Questão da Unidade Literária

A mais difícil questão crítica é a da estrutura literária de Filipenses, isto é, se ela é uma unidade ou uma composição. Exceto pela referência de Policarpo ao fato de Paulo ter escrito "cartas" aos filipenses, as evidências são internas. Os eruditos estão divididos em grupos quase iguais a respeito desta questão, e o caso não tem solução. Só em termos dogmáticos pode alguém resolver o debate em favor da unidade da carta ou de sua natureza composta. Ao que parece considerando-a composição de duas ou mais cartas é forte, mas não conclusiva. A responsabilidade de provar precisa ser dos que contestam a sua unidade, mas as provas não são decisivas. Mesmo aqueles que consideram Filipenses como composta de dois ou mais fragmentos afirmam que os componentes foram escritos por Paulo com a possível exceção de 2:5-11. Este texto é considerado, por muitos, como "hino" pré-paulino, mas poucos o considerariam uma interpolação.

O parecer mais forte, em favor da interpolação de um fragmento de outra carta, pode ser observado seguindo-se 3:1. Para muitos estudiosos, a discrepância entre o tom sereno de 3:1a, "Regozijai-vos no Senhor", e as palavras mordazes de 3:2, "Acautelai-vos dos cães; acautelai-vos dos maus obreiros;acautelai-vos da falta circuncisão", é grande demais para ser emendada. A ocorrência de "Quanto ao mais" (to loipon), em 3:1 e 4:8, pode indicar o epílogo de duas cartas. Stephan Le Moyne (Varia Sacra, 11.332, 343) sugeriu que duas cartas foram combinadas em nossa Filipenses, observando o fato de que Policarpo, na sua carta aos filipenses (iii), disse que Paulo lhes havia escrito "cartas". Heirrichs (Novo Testamento de Koppe, 180' propôs que 1:1-3:1 fora escrito à igreja em geral e que 3:2-4:20 aos dirigentes da igreja, sendo 4:21-23 a conclusão da primeira carta (cf. Lightfoot, p. 68). Est.. hipótese tem sido explorada de várias formas por quase dois séculos. Um exemplo moderno é Edgar J. Goodspeed, que propõe que 3:2-4:2 fosse a mais antiga de duas cartas, escrita logo depois que Epafrodito chegou de Filipos com dádivas, e 1:1-3:1 foi a posterior, escrita quando Epafrodito estava a ponto de voltar, depois de uma doença prolongada e quase fatal.

Embora os argumentos para a interpolação sejam ponderáveis, eles não são decisivos. A referência de Policarpo a "cartas" pode ser errônea ou uma redação distorcida de 3:1. A repetição de toloipon não é decisiva, pois pode significar "quanto ao resto" ou "quanto ao mais", bem como "finalmente" (cf. I Ts 4:1; IITs 3:1). Esta expressão pode marcar nada mais do que uma transição, e não, necessariamente, a conclusão de uma obra.

Mais substantiva é a abrupta mudança de tom e de assunto depois de 3:1a. Isto pode indicar uma interpolação. Embora nenhum manuscrito existente apresente variantes ao texto familiar, há literalmente, milhares de variantes textuais em obras bíblicas, e algumas delas são extensas (v.g.) Mc 16:9-20). Visto que há muitas perturbações textuais conhecidas, não se pode, a priori, excluir essa possibilidade, mesmo que manuscritos existentes não apresentem tal evidência. Porém a causa da interpolação é enfraquecida pelo fato de os eruditos, depois de quase duzentos anos de estudo, não terem conseguido chegar a um acordo com respeito ao número de interpolações ou mesmo quanto à extensão da interpolação suspeitada, que começa no capítulo três. Estes exemplos não exaurem a teoria de divisões na carta. Será que as "suturas" entre as cartas não deviam ser mais aparentes? Entre os eruditos modernos que têm considerado Filipenses como uma só carta, sem interpolações, estão M. Dibellius, C. H. Dodd, G. S. Duncan, E. Haupt, W. G. Kümmel, E. Lohmeyer e E. F. Scott.

Um colega, Professor Harold S. Songer, sugere que, mais plausível do que interpolação, é a possibilidade de uma excisão ou perda de alguma parte da carta seguindo-se a 3:1 (cf. Lightfoot, p. 136-140). Isto explicaria a rude sutura no começo da omissão sem nenhuma sutura igualmente aparente no fim da seção perdida. Uma inserção no meio de um parágrafo causaria duas suturas, mas a perda do fim de um parágrafo causaria apenas uma.

Poucas das cartas de Paulo têm es­capado às teorias de extensas interpolações e ou abreviações (cf. II Co, especialmente). Pode ser que os editores modernos estejam tentando impor a Paulo padrões literários a que ele nunca se submeteu. Paulo reconhecia que apresentava rudeza no falar (II Co 11:6), e grande parte dos seus escritos também pode ter sido caracterizada por rudeza. Ele era capaz de um estilo elegante, mas parece ter-se preocupado muito pouco com isso. Os seus envolvimentos emocionais eram fortes, e o seu estilo muitas vezes refletia a sua disposição mutável e intensas emoções. Mais do que tudo, 3:7-14 parece referir-se a 2:5-11, ligando as duas massagens mais freqüentemente disputadas. Em vista destes fatos e da indecisão das teorias de repartição, pensa-se que aqui é melhor tentar entender a carta como ela nos veio, e não em termos de reconstruções grandemente questionáveis.

4. Lugar e Data em Que a Carta Foi Escrita

A tradição de que esta carta foi escrita em Roma remonta aos prólogos marcionitas do segundo século, em que se diz que o apóstolo escreveu aos filipenses "de Roma, da prisão, através de Epafrodito". No quarto século, Crisóstomo ligou Filipenses, Efésios, Colossenses e Filemom, mediante a característica de cartas de Paulo da prisão, todas escritas em Roma. Esta posição permaneceu indisputada até o século XVIII e continua a ser mantida por eruditos como Beare, Dodd,Guthrie, Heard, Jülicher, Rahtjen e J. Schmid. Em 1731, Oeder, de Leipzig, e depois, em 1799, H. E. G. Paulus propuseram Cesaréia como o lugar de origem; e, em 1897 (e em 1923), Adolf Deissmann sugeriu Éfeso, seguido por H. Lisco, em 1900. Nenhum erudito contesta o fato de que esta carta proveio de uma prisão. Conferindo-se Atos 23:23-26:32 e 28:14-31, sabemos que Paulo foi preso em Cesaréia e Roma. Um período de prisão em Éfeso é possível, mas não pode ser provado.

As expressões "guarda pretoriana" (1:13) e "casa de César" (4:22) parecem indicar Roma. Em Roma, Paulo esteve em prisão domiciliar, mas era guardado por soldados, aparentemente da guarda pretoriana. Todavia, pretório pode referir-se a situações fora de Roma. Este termo foi usado, a princípio, para desig­nar a tenda em que o pretor e seu pessoal viviam, quando acampados, e, mais tarde, passou a designar a residência oficial do governador (cf. Mt 27:27; At. 23:35). Este termo pode referir-se a acampamentos pretorianos, mas, visto que os soldados imperiais se encontravam por todas as províncias imperiais, não se pode chegar a nenhuma conclusão quanto a esta referência em Filipenses. A mesma ausência de conclusão pode-se encontrar com respeito à casa de César, que pode referir-se a escravos imperiais emancipados, em Roma ou em qualquer outro lugar.

A distância entre Filipos e o lugar de origem é um fator a ser considerado. É possível que se subentendessem quatro viagens entre os filipenses e o lugar em que Paulo estava preso: (1) notícias da prisão de Paulo chegam a Filipos; (2) a vinda de Epafrodito, com ofertas, de Filipos; (3) o relatório dado, em Filipos, a respeito da enfermidade de Epafrodito; e (4) Epafrodito fica sabendo que os filipenses estavam preocupados com a sua saúde. As viagens entre Filipos e Éfeso eram muito mais fáceis e rápidas do que para Roma ou Cesaréia. Por outro lado, os períodos de prisão de Paulo em Roma e Cesaréia foram suficientemente longos para permitir quatro viagens, se tal fato é, na verdade, sub­entendido.

Discute-se que, quando Paulo escreveu a Epístola aos Romanos, planejava visitá-los a caminho da Espanha (15:28), mas que Filipenses não expressa esse plano. Este argumento tem pouca força, pois, se Filipenses foi escrita em Roma, vários anos de prisão em Cesaréia e Roma, juntamente com outras mudanças, poderiam facilmente ter alterado os seus planos. O anseio por ver velhos amigos novamente poderia ter mudado facilmen­te a sua atenção para Filipos, fosse de que prisão ele estivesse escrevendo.

As condições de encarceramento de Paulo, refletidas em Filipenses, são consentâneas com o que se conhece a respeito da prisão domiciliar entre os romanos. Paulo estava esperando um julgamento que poderia determinar a sua execução ou a sua libertação. Não há evidência de que ele enfrentava o perigo de execução em Cesaréia, e nada se sabe a respeito de um período de aprisionamento em Éfeso. A liberdade de Paulo para escrever uma carta como Filipenses, possivelmente com a ajuda de um amanuense, expressa a liberdade que ele gozava em sua prisão domiciliar em Roma. A necessidade de ajuda como a que lhe foi propiciada pelos filipenses é mais compreensível em Roma do que em Éfeso, que fora sua base de operações por quase três anos. Em Cesaréia, parece que tal ajuda lhe estaria mais à mão do que em Filipos. Que o seu encarceramento "contribuiu para o progresso do evangelho" (1:12) de maneira tão signiticativa fala mais a favor de Roma do que de Cesaréia ou Éfeso.

Um argumento ponderável, ao se datar e localizar Filipenses, é a sua comparação com Efésios, Colossenses e Filemom, por um lado, e com as cartas aos Tessalonicenses, Gálatas, Coríntios e Romanos, por outro lado. Alguns comentaristas dizem que as afinidades são maiores com este último grupo, sugerindo, assim, uma data anterior para Filipenses. Por qualquer sistema de datação, Filipenses se coloca ligada frouxamente ao lado das chamadas epístolas da prisão. Ela pode ter sido escrita na mesma prisão, mas em época diferente, antes ou depois das outras três. Embora se presuma freqüentemente que os oponentes do capítulo 3 sejam judaizantes, este fato não é claro. Eles podiam ser cristãos judeus ou judeus não-cristãos. Há também algumas evidências de um grupo "perfeccionista", de pseudo-espiritualistas, entre os oponentes de Paulo. Não há evidências de que problemas com judaizantes ou super-espiritualistas, expressos especialmente nas Epístolas aos Coríntios, tenham-se desvanecido antes da prisão de Paulo.

Se Filipenses foi escrita de Êfeso, a data foi cerca de 54-55 d.C. Se de Cesaréia, a data foi cerca de 56-57, embora a cronologia paulina exata se nos escape. Se de Roma, a data poderia ser o fim da década de 50 ou começo da de 60 d.C, dependendo da data dada para a sucessão de Félix, por Festo. Considerando-se todos os dados, a prisão em Roma permanece a melhor possibilidade, mas a questão precisa permanecer aberta, enquanto esperamos mais luz.

5. Ocasião e Objetivo

Desde a época de John A. Bengel (d. 1752), Filipenses tem sido conhecida como a carta da alegria: summa epistolae; gaudeo, gaudete ("O resumo da epístola é: eu me regozijo, regozijai-vos."). Mas esta declaração exagera o caso. A nota de alegria é enfática (16 vezes), e é muito significativo o fato de que ela soava de uma prisão e da perspectiva de uma possível morte, e é proclamada para uma igreja que conhecera perseguição e dificuldades todos os seus dias. A nota de alegria se encontra nela, mas há uma nota, igualmente forte, de preocupação acerca de "murmuração" e "contendas" (2:14) e ruptura real de comunhão na igreja (4:2 e s.). Paulo conhecera a agonia das divisões, ocorridas anteriormente entre os coríntios, e a sua missão a Jerusalém com a oferta provinda principalmente de igrejas gentílicas tinha o desígnio de levar as igrejas e os cristãos judeus e gentios a uma comunhão mais íntima. Não há evidências de que a igreja em Filipos tenha chegado a um estágio crítico, de desunião, mas certamente Paulo via uma ameaça no horizonte, e procurou dissuadi-la (cf. 1:27; 2:1-4).

Pode presumir-se que, juntamente com a sua gratidão aos filipenses e sua alegria por suas virtudes, havia também grave apreensão a respeito de sinais de crescente conflito e desunião no seio da igreja, várias passagens de Filipenses têm um novo significado e também uma continuidade maior dentro da carta se torna aparente. Paulo já vira que, por debaixo de todos os problemas superficiais existentes em Corinto, estava o problema-raiz de egocentrismo, falsa sabedoria mundana ou autoconfiança, amor-próprio e auto-afirmação. Contra esses problemas ele proclamara a sabedoria de Deus, o amor que alcançava a sua mais excelsa manifestação de autonegação e auto-sacrifício na cruz. Não refulgem esses mesmos pressupostos por toda a carta? Por detrás da dissensão entre Evódia e Síntique(4:2) estava o egoísmo. Por detrás da murmuração e das ambições dos que utilizavam a "falsa circuncisão" (3:2) e por detrás da pregação contra a "inveja e contenda" (1:15,17) estava o mesmo egocentrismo (2:1-4).

Contra essa pregação, pobremente motivada, quer em Roma ou em outro lugar, e contra o egoísmo que se auto-afirmava em Filipos, Paulo oferece o exemplo de Cristo (2:5-11), o exemplo de Timóteo (2:19-24) e o exemplo de Epafrodito (2:25-30). A esses, ele também acrescenta o seu próprio exemplo, ao se voltar dos alvos egoísticos para as reivindicações de Cristo (3:4-21).

O principal apelo de Paulo em favor da renúncia do egocentrismo, que estava por detrás da murmuração, das contendas e da divisão, tinha em vista que se adquira a mente de Cristo Jesus (2:5-11). Aqueles que rejeitam a "teoria do exemplo" interpretam erradamente, esta passagem, como sendo dirigida especialmente ao tema da humildade. Se este fosse o tema desta passagem, seguir-se-ia que tentar ser humilde é ser derrotista. Porém a preocupação desta passagem é, no máximo, incidentalmente, com hu­mildade. O que é apresentado como exemplo é a disposição de Cristo de abrir mão dos seus direitos privilegiados, no seu afã de servir a Deus e aos homens. É deste exemplo de total abnegação e sacrifício que os filipenses precisavam. Como poderiam Evódia e Síntique continuar a sua contenda na presença da­quele que abrira mão dos seus direitos e privilégios por amor aos outros? Este "hino" não é uma interpolação; ele está umbelicalmenteligado à preocupação básica da carta.

Contra este pano de fundo, os exemplos de Timóteo e Epafrodito tornam-se mais claros, quanto ao seu, significado. A única coisa que Paulo recomenda, em Timóteo, é o fato de ele "sinceramente cuidar" dos outros e a sua recusa em cuidar ou "buscar o que é seu" (2:20 ss.). O que é enfatizado a respeito de Epafrodito é ele ter arriscado a sua vida para completar o serviço dos filipenses em favor de Paulo (2:30).

O motivo imediato da carta foi dar contas do generoso ministério dos filipenses em favor de Paulo, tratar dos incipientes problemas de divisão e advertir contra a séria ameaça de alguns "maus obreiros" (3:2), cuja precisa natureza do seu caráter e mensagem não está clara. É uma carta de alegria e gratidão. É também uma epístola de angústia, preocupação e apreensão.


Leia também:Filipos, uma igreja repleta de alegria
Bibliografia F. Stagg

Nenhum comentário:

Postar um comentário